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sábado, 27 de fevereiro de 2010

Dica de Filme: Laranja Mecânica





Rodado em Londres no ano de 1970 e lançado mundialmente no ano seguinte, “Laranja Mecânica” virou alvo da censura na época e foi proibido no Brasil. Por quase toda a década de 70 os brasileiros só ouviam falar daquele polêmico filme realizado por Stanley Kubrick após a ópera-prima “2001 – Uma Odisséia no Espaço”. Durante anos a única referência ao filme era sua inovadora trilha sonora que misturava experiências eletrônicas do compositor Walter Carlos (antes de virar Wendy Carlos) com as composições de Beethoven. O filme só foi liberado para exibição no Brasil em 1978 em cópias onde foram incluídas “bolinhas pretas” sobre as genitálias dos corpos nus. A anacrônica censura da época achava mais importante esconder a nudez do que expor as platéias à violência exacerbada que o filme mostrava de maneira até então nunca vista em uma produção mainstrean.
Hoje as “bolinhas pretas” não passam de curiosidade e mico histórico ao qual os brasileiros foram submetidos. No entanto, o mesmo não se pode dizer da violência urbana que “Laranja Mecânica” retrata e que de certa forma antecipava para o futuro. A recente revolta dos jovens nos subúrbios de Paris é apenas mais um episódio que confirma o quanto o livro de Anthony Burgess e o filme de Stanley Kubrick estavam à frente de seu tempo.

“Laranja Mecânica” expõe duas formas distintas de violência, cada qual com suas origens e conseqüências. Existe a violência do indivíduo, ancestral e intrínseca no ser humano quando não reprimida pela convivência social, e existe a violência do Estado, institucionalizada, amparada pela Lei e justificada pela manutenção do status quo e controle do coletivo. O filme de Kubrick trata destas duas formas dedicando a cada uma delas metade do filme.

Na primeira parte conhecemos o jovem Alex (Malcolm McDowell) o anti-herói que conduzirá a ação. Numa sociedade de futuro incerto as leis já não fazem muito efeito e a desagregação social parece chegar a seu limite. É nesse ambiente que Alex leva uma vida despreocupada onde seus únicos prazeres são encher a cara de “moloko”, uma espécie de leite aditivado com drogas, fazer arruaças com os amigos e ouvir músicas de Beethoven, a quem chama de “Ludwig Van”.

A segunda parte inicia quando Alex é detido pela polícia e conduzido para uma instituição penal. Com a perspectiva de ganhar a liberdade, Alex se submete voluntariamente a um tratamento experimental que promete reabilitar delinquêntes eliminando seu instinto natural para a violência. Ministrado por psicólogos a serviço do Estado, o tratamento consiste em expor o criminoso a sessões contínuas de cenas chocantes de violência explícita ao som da 9ª Sinfonia de Beethoven! Depois desta lavagem cerebral o pobre Alex é transformado numa pessoa totalmente indefesa que reage com náuseas e ânsia de vômito a qualquer manifestação de violência. Vira uma “laranja mecânica”, um ser orgânico que age mecanicamente. Redimido, Alex retorna para a sociedade e vive como um paria renegado pela própria família, vingado por vítimas do passado e humilhado por seus antigos companheiros de delinqüência.

A possibilidade do livre arbítrio é um ponto de discussão que Kubrick expõe com clareza em “Laranja Mecânica”. No processo de controle da criminalidade o Sistema impõe uma solução que transforma o indivíduo num ser robotizado, um sujeito sem a opção da escolha. E no dizer do religioso que acompanha Alex na prisão “se o homem não pode escolher, deixa de ser um homem”. Condicionado e sem opções de comportamento só resta a Alex o papel de inocente útil, manipulado por interesses políticos que o transformam em exemplo bem sucedido de reabilitação.

Repleto de ironia e sarcasmo, a adaptação de Stanley Kubrick do livro de Anthony Burgess é fiel. A essência da obra original está em diálogos quase literais e na utilização de neologismos como “vidiar” (ver), “entra-e-sai” (sexo), “guliver” (cabeça) e “horrorshow” (espetacular) que denunciam a origem literária. Mas Kubrick, um mestre com pleno domínio sobre as técnicas e segredos de filmagem, fez uso de inúmeros recursos para valorizar o rico material que tinha nas mãos. Sua reconhecida habilidade em utilizar músicas clássicas nas trilhas sonoras foi mais uma vez exercida com talento em “Laranja Mecânica”. O mesmo se pode dizer de seu talento em criar seqüências climáticas, seja pelo uso da câmera de mão, seja pela cenografia elaborada, repleta de referências artísticas e pictóricas. Em todos seus trabalhos o realizador sempre deixou bem claro que reconhece o poder da imagem e seus significados, e a manipula com maestria.

Todos os elementos cinematográficos de “Laranja Mecânica” parecem hipnóticos e exagerados. Figurinos, cenografia, interpretações, música, tudo parece transmitir uma explosão sensorial de cores, sons e ritmos, como se a visão do mundo fosse resultado de algumas doses de “moloko”. Nada mais correto se levarmos em conta que o “humilde narrador” da história é o próprio Alex, presente em 100% das cenas. É através de seus olhos e de sua percepção que somos introduzidos naquela realidade distorcida. O cinismo e a hipocrisia denunciam a personalidade egoísta do narrador que constrói o mundo de acordo com suas convicções e conveniências. Quando Alex percebe que se transformou em “objeto” cobiçado por facções políticas rivais assume sem escrúpulos o discurso dos poderosos. O povo quer ouvir mentiras com aparência de verdades, então Alex declara em alto e bom som: “Sim, estou curado”. Acredite quem quiser.

Se no início do filme Alex era o algoz da sociedade, adepto da ultraviolência inconseqüente, ao final se apresenta como uma vítima do Sistema, apenas mais uma peça da engrenagem da máquina de moer pessoas. Seu refúgio de sanidade ficava num cantinho intocado de sua mente, capaz de fantasiar e imaginar uma sessão de sexo selvagem cercado por uma platéia que o aplaude ao mesmo tempo em que é bajulado pela imprensa e políticos em seu leito hospitalar. Alex aprendeu o jogo da mídia que se apodera da imagem e transforma a fantasia em realidade e a realidade em fantasia.

É bastante comum a constatação de que a adaptação cinematográfica de livros sempre deixa a desejar. Normalmente o livro é sempre melhor. Definitivamente este não é o caso de “Laranja Mecânica”. O original de Anthony Burgess já era uma obra respeitável, no entanto, nas mãos de Stanley Kubrick (que fazia seu primeiro roteiro solo) o material ganhou uma dimensão superior. Seu talento em sustentar visualmente uma narrativa está todo lá, em cada cena, em cada seqüência. Em “Laranja Mecânica”, o filme, Kubrick foi além de “Laranja Mecânica”, o livro. Ampliou o universo de Burgess e concebeu uma fábula provocante, assustadora e visionária que mantém sua força insuperável até hoje.

Cronica de Jorge Ghiorzi
Realmente uma obra prima atemporal.

A ATITUDE CIENTÍFICA

Como diferenciar o senso comum da atitude científica? Em que podemos nos pautar para isso? Em qual a filosofia se baseia? Vamos discorrer sobre isso neste texto.
O que entendemos como senso comum segundo Marilena Chauí, são todos os conceitos e percepções que nos acompanham desde sempre. Nossa forma de enxergar o mundo nos preocupando apenas com o que nos cerca, vendo todas as coisas apenas de forma superficial, fazendo com que os acontecimentos sejam vistos de forma individual enquanto generalizamos os diversos seres animados e inanimados em grupos. Nossa percepção supersticiosa para os fatos e nossa acomodação em relação a eles; tudo isso, além de gerar idéias pré-concebidas, faz com que o homem tenha uma sensação de conhecimento absoluto; estabelecendo também uma relação de causa e conseqüência entre os fatos.
Já a atitude cientifica, de acordo com a autora, ao contrário do senso comum enxerga o mundo à sua volta de forma mais aprofundada, olhando não apenas para a própria realidade, mas enxergando o mundo de maneira empírica, se surpreendendo com a regularidade de fatos, procurando entender o que ocorre e porque ocorre, como tudo funciona.
Não parte simplesmente de idéias pré-concebidas ou superstições, antes procura uma explicação racional para tudo e as razões que fazem as causas gerarem as conseqüências. Estudando cada fato em particular, mas partindo de uma perspectiva geral; não se pautando generalizá-los, mas observando-os em suas particularidades.
Por essas razões distintas e antagônicas entre si, a escritora nos leva a concluir que a filosofia, que é tida como a ‘arte do bem viver’, só pode ser entendida como tal, através da atitude científica. Partindo da premissa que sua centelha é a curiosidade.

Batman, Osama e Obama - O Coringa de Heath Ledger nos fala do futuro

Fui ver o Batman, claro. É impossível ignorar esta oitava arte que surge em Hollywood: os efeitos, os computadores criando odisséias tecnológicas homéricas do século XXI. O filme é espantosamente constelado, "risômico", explodido, até difícil de acompanhar para um linear tropical como eu. Pensava em ver mais um show tipo "Missão Impossível", mas não é. É mais.
Os filmes-catástrofes ou as aventuras dos efeitos especiais pareciam dizer: "Nós somos a America, nós temos a cultura da certeza! Aqui tudo tem princípio, meio e fim. Aqui, tudo está sob controle e termina como nós queremos. Aqui há a competência!"

Mas, aí, um belo dia, os aviões se chocaram com as torres em NY. E dá para ver que a queda do WTC está ali, como uma cicatriz na dramaturgia norte-americana. O 11 de Setembro criou uma era de ambivalência para o cinema. Acabaram mocinhos X bandidos.

O sintoma fica claro com a extraordinária interpretação de Heath Ledger (O neo-Coringa), que gira isolado criando uma obra-prima rara no cinema, uma ilha de cinismo contemporâneo, misturando bem e mal, misturando horror e simpatia, matando com um sadismo sofisticado e, depois (plano inesquecível), saboreando o vento fresco da noite na janela de um carro, com sua cara de palhaço desenhada por um Pollock ou Rauchenberg. "Escolhi o caos" - ele diz para o Batman. Heath, de certo modo, faz uma crítica ao próprio filme. Heath é quase uma paródia do "grande espetáculo", é um marginal dentro do elenco.

Ele nos aponta para um outro filme que poderia existir, alem das raízes moralizantes e aristotélicas deste, bem escondidas, sem dúvida, mas que estão lá. Heath lembra Johnny Dep em "Piratas do Caribe", lembra também a genial presença de Anthony Hopkins em "Silêncio dos Inocentes". Os três atores estão adiante dos filmes que lhes pagam. Os três, Hannibal, the Canibal inclusive, nos fascinam porque parecem estar mais além de uma moral antiga, que eles contemplam, do outro lado do Bem. Hannibal e Heath parecem saber mais do que nós, que vivemos ainda mergulhados em dúvidas morais e culpas.

Nada mais atraente que a psicopatia elegante. No mundo cruel de hoje, todos queremos ser como Hannibal, longe de uma arcaica compaixão.

O Coringa nos apavora e nos atrai, e não conseguimos odiá-lo completamente porque ele é extremamente contemporâneo. É como se ele dissesse: "Nenhum saber, nem ética, nada vai apagar o animal feroz que nos habita. Eu sou uma vanguarda". Ele diz para um perplexo Batman: "Eu não quero te matar; você me completa". E completa: "Não sou um monstro; estou além da curva..." Heath é apavorante porque não tem motivo claro para agir. Sua única regra é mostrar o absurdo de querer impor ordem no caos. Ele encarna os impulsos destrutivos humanos inexplicáveis. Como Hannibal. Ou, na vida real (se ela ainda existe), como o Muhamed Atta, o chefe dos terroristas do 9/11.

Ele não tinha religião, não cria em Alá, não tinha ideologia política, era químico na Alemanha, não tinha motivos. Ele queria fazer o impensável, o inominável, acima de qualquer crime, queria conhecer aquela fração de segundo entre a vida e a morte, com a parede do WTC tocando o nariz do Boeing.

E aí, pensamos: para que praticar o bem se ele não é mais possível? Quando pedimos o bem, falamos como de uma harmonia perdida. Será que ela já houve? Invenção platônica, iluminista neste mundo sujo? Pensamos com o corpo, queremos que o mundo seja um "todo harmônico", como o nosso organismo. A idéia de "fragmentário" gera angústia porque lembra a morte.
E o mal?

O mal virou uma necessidade social. Não dá mais para viver sem praticar o mal. O mal é um mecanismo de defesa. Ao denunciar o mal, vivemos dele. Eu lucro, sendo um cara legal que denuncia o mal e assim escapo da fome, comendo a comida de quem lamento. O bem não dá filme. Já os psicopatas estouram bilheterias. Se não há um mal claro, como seremos bons? O mal é sempre o outro. Nunca nós. Ninguém diz, de fronte alta: "Eu sou o mal!" Ou: "Muito prazer, Diabo de Oliveira..." Como inventar uma "praxis" do bem? O que é o bem hoje? Será lamentar tristemente uma impotência, um negror melancólico?

Heath Ledger, o Coringa, nos lembra inevitavelmente o Osama Bin Laden. Ele também veio sem motivo, do nada, e fez o maior filme-catástrofe da história. Não haveria esse Batman sem Osama; não está no enredo - está no ar.

Achávamos que haveria um futuro confortável no século XXI. Mas Osama não está em nosso tempo. Osama nos fala de fora do tempo, da história. Osama mora na eternidade. Queremos desesperadamente explicá-lo à luz da razão, mas ele é imune a interpretações. Osama nos fez ver a grande montanha de lixo que se escondia sob o progresso, a razão do Ocidente.

Desmoralizou a América, nosso mito de competência, e dirigiu, comandou todos os erros pavorosos da vingança norte-americana. Nunca a América errou tanto como sob esse estafermo do Bush. Toda a trapalhada ocidental, o mal ocidental escondido sob o "bem", apareceu no eixo ocidental do mal.

E Obama? Agora ele surgiu, prometendo o bem. Obama é uma antítese simétrica do Osama. Será? Será que, depois de uma década do que Norman Mailer chamou de "tempestade de merda", a história deseja um espasmo de mudança para o "bem"?

Pode ser que Obama encarne uma tendência histórica, não da América apenas, mas do mundo. Não é o messias, claro. No entanto, mais importante que sua eleição, é o fato de que ele pode eleger uma nova consciência na América. Pode ser que descubramos que o mundo atual não é só esta bosta que os reacionários criaram. O mundo tem mil possibilidades de riquezas, de milagres científicos e culturais, que estão esmagados pela estupidez endêmica dos fundamentalistas dos EUA. Uma vitória do Obama, depois de Osama, depois de Batman, pode não apenas combater o mal do mundo, mas restaurar um bem perdido.

O Coringa genial de Heath Ledger é o sintoma de um mal ridículo que tem de acabar.

(Arnaldo Jabor)
Fonte: Jornal O Tempo

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A Indiferença

Primeiro levaram os comunistas,
Mas eu não me importei
Porque não era nada comigo.

Em seguida levaram alguns operários,
Mas a mim não me afectou
Porque eu não sou operário.

Depois prenderam os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.

Logo a seguir chegou a vez
De alguns padres, mas como
Nunca fui religioso, também não liguei.

Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde.

(Bertolt Brecht)

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Dica de Livro: Teoria dos Direitos Fundamentais - Robert Alexy


Os direitos fundamentais tem importância no ordenamento juridico. No entanto, ainda subsistem disputas acerca dos direitos fundamentais. Levando em consideração a jurisprudencia do Tribunal Constiticional Alemão, Alexy desenvolve uma teoria dos direitos fundamentais da Constituição Alemã, cujos pontos centrais são uma teoria dos princípios e uma teoria sobre a estestrutura dos direitos subjetivos. A teoria dos princípios é uma teoria axiológica livre de suposições insustentáveis. A teoria dos direitos subjetivos faz com que as mútiplas relações entre direitos fundamentais possam ser construidas de forma precisa.

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